31 outubro 2005

LEITURA: CUMMINGS E TRISTÃO


Tristão de Athayde foi comprar papel numa pequena papelaria de Nova York, em 1959. Escrevia muito, gastava muito papel. A moça da papelaria lhe disse que um outro senhor também comprava ali muito papel. Seu nome era Cummings. O poeta.

Nosso crítico perguntou se ela sabia o endereço do poeta. Sabia. Ele gosta muito de rosas. Lá se foi o menino da Casa Azul com a sua braçada de rosas visitar numa vila E.E.Cummings. O próprio poeta abriu a porta. Teve uma surpresa. Não esperava nenhuma visita.

Entenderam-se maravilhosamente. Adorou as rosas, que amava tanto. Nasceram quase no mesmo ano. Eram vizinhos de ano. Tristão achou-o simplíssimo, natural. Abandonou-se ao visitante. E essa entrega comoveu o nosso Tristão. Falaram de poesia.

E, de repente, o loquaz Tristão, que falava um inglês fluente, digno da prosa de Graham Greene, se lembrou de uma palavra de Santo Tomás que o impressionara muitíssimo. Era a frase de Tomás que mais o tocara. Uma frase rápida. Leu-a pela primeira vez em God and intelligence, de Fulton Sheen, com prefácio de Chesterton.

Disse a frase a cummings. "A razão é a imperfeição da inteligência." A pura superação do racionalismo. Cummings agitou-se. Ficou abalado com aquilo. Pediu para anotar a palavra de frei Tomás, O.P. - "Defectus quidam intellectus est ratio." Palavra breve e intensa.

E naquele fim de tarde nova-iorquino, numa sala pequena, em Greenwich Village, pertinho da Universidade de Nova York, dois poetas ficaram a conversar sobre a razão e a inteligência, Tomás e Fulton Sheen, a liberdade espiritual como suprema perspectiva da humana condição.

Foi o encontro intelectual de que Tristão mais gostou.


VILLAÇA, Antonio Carlos. Os Saltimbancos da Porciúncula .
Rio de Janeiro: Record, 1996. pp. 82-3

24 outubro 2005


José Guadalupe Posada (1852-1913), México.

23 outubro 2005

POETA CONVIDADO: JOSÉ WEIS

.
EPIFANIAS

Trocar, trocar, tecer
e uma desconfiança
de não se traduzir
tudo no todo deste
tácito tesão epidérmico
homérica distância
entre o dito e o vivido
ter que contar
com o que se tem.



MÍNIMOS A DOIS


I

Telefonema:

- Me espera de pau duro!
Desliga preparado.


II

-Troco uma massagem
nos meus pés por um boquete.
-Eu topo!


JOSÉ WEIS, Porto Alegre, RS,
do livro em preparo, Doce desdém dos desprezados.

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13 outubro 2005

MULHER, GERSON CRUZ






















Xilogravura em palito de fósforo.

À MODELO-VIVO


quisera ser um pintor,
com o que ficavas aqui,
para sempre do meu lado.

porém nada sei de tintas,
não, sequer sou o escritor
capaz de fixar tua pele.

palavras não reproduzem
os óleos de tua vagina,
o que de grego nos seios

e na mente tu carregas:
contra a morte do tempo,

tua eternidade de rio.
.
Sidnei Schneider, 1999.
do livro Quichiligangues

ENTRE POETAS

Oliveira Silveira, Amarildo Bandeira, Jorge Fróes, Cezar Dias e Sidnei Schneider
Fotografia: Silvia Prado

DOIS TANKAS


noite de verão,
na cortina de renda
a lua bordada:
vem mão negra,
afasta a pálpebra.

na via láctea,
que a faz vestida,
a pele mais negra:
os olhinhos dela,
duas luas bordadas.
.
Sidnei Schneider, 1999.

OS BOXEADORES


no boxe entrelaçados,
os turros lutadores
descansam abraçados.

pela vida batidos,
o primeiro relaxa
com sangue no olho.

pela morte batidos,
do outro não se encaixa
a pálpebra maçada.

mas se cada um deles
vê a dura realidade
na cegueira da luta,

cada um deles sente,
não há nenhum descanso
que os resgate da bruta:

despregam-se das asas,
pesos-pena no ringue,
abandonam a cicuta,

alto erguem os punhos,
arregalam os olhos,

reiniciam a luta.


Sidnei Schneider, 2002.
do livro Quichiligangues

09 outubro 2005










..Gilvan Samico: uma xilo por ano.

POETA CONVIDADA: NELI GERMANO


A poesia viaja em mim
simples e indecorosa

Simples pela naturalidade
com que flui e me penetra:
subcutânea – ocular
intravenosa

Indecorosa pela forma
com que me investiga:
intravenosa – ocular
subcutânea

Na simplicidade e na
indecorosidade ela me incomoda



NELI GERMANO, Porto Alegre/RS
GEMEM ESCONDIDOS

Sufocam a fome
Sapateiam na lama
Assistem o aborto da prole
Gemem escondidos
Engolem planos
Sofrem o deboche
Moldam-se as tardes de domingo
Gemem escondidos
Entre os gemidos... um ranger de dentes...

É a Esperança!
.
NELI GERMANO, Porto Alegre/RS
Poemas no Ônibus