24 abril 2007

SAINDO DA GAVETA - DIA 07/04

Segunda-feira, dia 07 de maio, às 19h, na Palavraria (Vasco da Gama com Fernandes Vieira) acontece nova edição do Saindo da Gaveta, com leituras de poesia, conto, crônica, texto dramático ou não especificado, tendo por tema o ERÓTICO. O projeto, organizado por Viviane Juguero, Letícia Schwartz e Jorge Rein, acontece duas vezes por mês, de 14 em 14 dias, sempre às segundas. Um encontro é por tema (o último foi Mentira) e no outro é especificado um gênero (Poesia foi o último). No próximo 21 de maio, os gêneros serão CONTO e CRÔNICA. É preciso enviar o texto antes, saindodagaveta@hotmail.com, e aguardar a confirmação da data de leitura. Ou ir uma primeira vez só para ver como funciona. Maiores informações aqui.

18 abril 2007

POESIA E ORALIDADE:

CARTA PARA UMA AMIGA ATRIZ

Fiquei pensando na tua preocupação com a leitura em voz alta, a interpretação do poema, quando muitas vezes ele não apresenta as devidas marcações, ou vem organizado em estrofes que simplesmente cortam o que vinha sendo dito, versos que se quebram no meio para só continuar na linha seguinte, etc, etc. A questão me pareceu interessante, e diz respeito a atores e poetas.

Acho que há quem escreva já para a oralidade e sua poesia fica bastaste marcada por isso. Castro Alves, por exemplo, já escrevia pensando em declamar (verbo apropriado para o período) para os grandes auditórios e as praças públicas, numa época sem equipamentos de som e amplificador. Esse estilo, uma qualidade em função dos seus objetivos e necessidades, hoje tem sido injustamente visto por alguns como um defeito, exatamente por abstrair as condições objetivas de então. Maiakóvski, com aquele estilo escadinha de arrumar os versos, fazia com que cada degrau fosse uma unidade fônica, para ser dita de uma só vez, e o fazia com o seu típico vozeirão em cima das máquinas das grandes fábricas, nos grandes teatros e nas assembléias russas para milhares de pessoas de uma só vez.

Já se a gente pensar num Mallarmè, distribuindo o verso espacialmente na página, ou na arte da caligrafia nos poemas do extremo oriente,
é outro papo, próprio do visual. Um Ferreira Gullar faz coisa parecida em livros como Poema Sujo, Dentro da Noite Veloz e outros, mas aí a questão parece não ser só de distribuir as palavras na página em branco (como quem desenha com plantas diferentes um canteiro), mas diz respeito ao ritmo, um ritmo que não é sonoro (pelo menos nesse aspecto da espacialização), mas visual, a gente vai de um final de verso ao ínício de outro e realiza uma trajetória com o olho, muitas vezes um zigue-zague, o que se perde inteiramente na oralidade, embora seja possível criar alguma correspondência através da maior ou menor velocidade da enunciação, de pausas, do gestus corpóreo, etc.

Cortam-se versos também em função do sentido, por suspense, para duplificar ou exponenciar o sentido de um verso para outro, em suma, por infinitas razões de sentido, o que nem sempre é simples de transpor para a oralidade sem outras perdas ou uma perda maior. Por exemplo, fazer uma pausa num verso ou estrofe que termina com a palavra "de" pode não surtir efeito nenhum no receptor e prejudicar a fruição do poema (nem sempre, minha argumentação não quer fechar nada, deixemos tudo em aberto), embora tal expediente possa funcionar e ter lá suas razões na leitura silenciosa, lenta e repetida, sempre cheia de vaivéns. Há, também, poetas que simplesmente estão distantes do verso como ele é costumeiramente entendido e o cortam, grosso modo, em qualquer lugar, o que, em função de um hábito arraigado pelos séculos, pode ser instigante. Quem? Gonçalo M. Tavares, por exemplo, no livro 1 e em outros.

É claro que os diferentes aspectos de um poema estão completamente entrelaçados, formam um todo indivisível que significa, apesar da eventual preponderância de um aspecto ou outro.

Em síntese, há poemas que levam em questão a oralidade e procuram demarcá-la o quanto possível e outros que não estão nem aí, embora (quase) todos sejam passíveis de verbalização. Muita coisa vai se perder de um veículo ou suporte para outro, e muita coisa vai ser acrescentada, como sabes melhor do que eu: entonação, expressão facial, gestual, etc. Todo poema dito em voz alta, seja imaginado ou não para a oralidade, vai ganhar a marca única de quem o diz. Daí que estamos diante de um mundo poético não regrado, aparentemente cheio de problemas, mas na realidade com múltiplas possibilidades criativas, tanto para a escrita como para a interpretação.

De quem gosta muito de te ouvir,

Sidnei


POESIA E INTERPRETAÇÃO

A interpretação oral é uma outra arte a partir da arte do poema, que necessariamente o modifica. O poema na página é espacial e oral ao mesmo tempo - quase sempre - e a interpretação têm suas próprias leis, precisando subverter aspectos poéticos não orais para benefício do próprio poema. Às vezes o autor mesmo sabe disso e o faz na leitura, outras vezes o faz sem perceber, inconscientemente. São duas coisas diferentes, o poema na página como mancha e o poema na voz de um ser humano particular.

Existem poemas sem página, como aqueles transmitidos pela tradição oral, e, eventualmente, experiências visuais mais totalizadoras, que excluem a possibilidade da leitura em voz alta.

A interpretação, mais complexa do que a simples emissão sonora,
é outra arte a partir da arte do poema do mesmo modo que um filme o é em relação a uma obra literária. Ou uma tradução em relação ao poema na língua de partida.

A interpretação é uma leitura - usando aqui o duplo significado de cada um dos termos.
 
Sidnei Schneider

10 abril 2007

QUEM É QUE SABE?

Será que uma mulher
que te pede as horas,
quer algo contigo?
Será que deseja ter
filhos? Pelo menos
um será astronauta?
Crianças terão direito
a filhotes de tartaruga
em Marte?
................Quem dará
o sorriso deflagrador?
Para ecoar pelo espaço
no formato de canção,
quantas ondas de rádio
são necessárias? Aonde
vão as que não chegam
a um receptor? Seriam
atraídas por um e outro
asteróide, buraco negro,
estrela, molécula isolada
ou planeta até sumirem
por inteiro? Ou nunca
se chocarão em nada,
em nada, em nada,
e por isso nadarão
até o infinito?
Quem sabe,
sabe o quê?


Sidnei Schneider, 2006
do livro Quichiligangues

04 abril 2007

JORNAL VAIA - CONTO "COMIDA"

Arte de Fabriano Rocha para o conto COMIDA

O VAIA especial sobre CONTOS, lançado no último dia de março/2007 em festa de poesia e música no bar Outros 500, traz contos de FAUSTO WOLFF, LUIZ RUFFATO, MIGUEL SANCHES NETO, ADRIENNE MYRTES (andou por aqui na Feira do Livro, participou do aporreado sarau organizado por Paulo Scott no Zelig, e me deu o livro A Mulher e o Cavalo, editado pela eraOdito de Marcelino Freire), RONALDO CAGIANO, CLÁUDIO PORTELLA, MAIRA PARULA, NEI DUCLÓS... Enfim, são doze autores de outros estados, dois gaúchos que vivem fora do RS, e cinco autores daqui. Participo com o conto COMIDA, ilustrado pelo artista plástico e designer gráfico Fabriano Rocha. A edição, agora em papel de primeira, está à mão nas instituições culturais de Porto Alegre e em patrocinadores como Livraria Nova Roma e Armazém da Esquina. Como sempre, em breve estará online: Jornal Vaia.

COMIDA

Teteka Alves do Nascimento,sensibilizada pelas notícias em torno do Dia de Ação de Graças, quis comemorar a data de uma maneira condigna, algo mais do que fantasiar os filhos de vampiro para a escola, como fizera no recente Halloween. A humanidade sofredora estava necessitada da sua contribuição, podia perceber isso quando saía às compras e se deparava com indigentes. Convocaria o motorista, reuniria forças e iria entregar, pessoalmente, uma refeição para o primeiro maltrapilho que encontrasse.

Dispensou a criadagem, fizessem o que lhes desse na veneta, desde que estivessem a postos para a preparação do jantar, mas reteve Carlos, precisaria do carro. Sentia-se, assim, em melhores condições para vasculhar a cozinha, a despensa e a adega. Primeiro, abriu o freezer das carnes vermelhas, mas ter que assar alguma já era exigir demais de sua benevolência. No de frutos do mar, achou uma linda lagosta, isto sim, era o tipo de refeição que um faminto jamais esqueceria; colocou-a sobre o balcão. No de aves, localizou o peru reservado para a celebração de logo mais, os patos para alguma comida alemã, uma lebre que ali não deveria estar, as perdizes e marrecas das caçadas de Romano, e uma profusão de frangos; tudo, evidentemente, cru, à exceção de uma galinha caipira que fora congelada assada, e, intacta, esperava por dentes ávidos; separou-a. Da geladeira, colheu os escargots restantes do jantar francês.

A lagosta, claro, estava crua, mas alguma coisa essa gente também poderia fazer por si mesma; afinal, não os tinha visto ao redor do fogo, embaixo do viaduto, assando qualquer nesga num espeto recurvado? Na adega do porão, examinou vinhos franceses, italianos, portugueses, chilenos, mas se conteve, num assomo de lucidez, antes de visitar latitudes menos prováveis. Nada disso, não iria instrumentalizar a bebedeira de ninguém. Subiu para a área de serviço, e de um móvel embutido retirou um conjunto de sacolas, escolhendo uma que lhe trazia boas lembranças de Luxemburgo; eles mereciam, o dia era mesmo especial.

Lembrou-se, porém, que só comer não bastaria, fazia-se necessário algo que tornasse mais bonitas aquelas vidas isentas de sentido. Com um excesso de cuidados, como se pudesse ser flagrada a qualquer instante por alguém que, fora do seu conhecimento, estivesse habitando a casa, percorreu salas e ambientes até retirar da mesa do espelho do hall um ikebana comprado no dia anterior. Não importava que já se extinguira sua anunciada duração ritual de vinte e quatro horas; os mendigos não se preocupariam, à japonesa, com a eterna mudança propiciada pela passagem do tempo; se nem ela ligava para esses orientalismos, por que eles haveriam de se preocupar; continuava bonito, viçoso e colorido, apesar de uma pequena necrose tê-lo maculado durante a noite. O arranjo fazia-se de uma flor de única pétala, enorme, amarela, cravada pela haste na argila e disposta na horizontal; de um verde e frágil junquilho, que, desde a haste da flor amarela, apontava para o alto; e de um galho finíssimo, negro, resistente, encimado por um botão diminuto, débil, e também amarelo, que completava a filosófica tríade pendendo para dentro do conjunto.

Chamou o motorista, juntou os víveres, e saiu no automóvel cinza-metálico que acabara de chegar do porto de Rio Grande, presente de aniversário que lhe dera Romano, talvez para compensar sua inextinguível ausência, fosse pelos afazeres nas empresas durante a semana, pelas sádicas caçadas nos dias de descanso ou pelas malditas e constantes viagens ao exterior.

– Ande por aí, quero ver a paisagem – disse ao motorista, envergonhada de lhe confessar seu verdadeiro intento. Todavia, depois de algumas voltas, ordenou-lhe passar pela avenida Ipiranga, na pista mais próxima do bueiro central, onde mal se desprendia das margens o arroio Dilúvio, tal a quantidade de dejetos e esgotos que suportava. Não custou muito, percebeu uma movimentação embaixo de uma das pontes. Mandou Carlos estacionar a duas quadras, dentro do shopping, enquanto descia sem lhe revelar nada. Voltou a pé em direção à ponte, a última antes do gelatinoso arroio lançar-se no estuário do Guaíba, balouçando orgulhosa a sua caritativa sacola.

Do lado do viaduto, de onde subia a morrinha de uma fumaça esbranquiçada, gritou “oi moço”, mas não foi atendida. Desconfiou não houvesse ninguém em casa, mesmo assim, decidida, avançou uns passos pelo declive e repetiu o “oi moço”, apesar de ter diante de si uma mulher e dois homens. Sem saber o que dizer, arrependeu-se antes mesmo de qualquer contato, tão horríveis lhe pareceram os poucos dentes do homem negro, as nódoas de sujeira presas ao cabelo do homem ruivo, e as pernas abertas da mulher, sentada sobre uma pedra, deixando entrever o pano imundo que lhe servia de peça íntima. Para sair do constrangimento a que se impusera, ergueu a sacola luxemburguense e antecipou:

– Trouxe uns petiscos.

– Comida?! – arregalou os olhos o negro.

– É sim, e da melhor. Hoje é Ação de Graças, sabe, a festa norte-americana, e eu...

Olhou para dentro da sacola e retirou lépida o pote de escargots, alcançando-o. A mulher o tomou com repentino alvoroço, abriu-o, e pausadamente exclamou, entre decepcionada e compreensiva:

– Moça, a gente é pobre, mas nunca comeu caramujo.

– Talvez vocês não estejam habituados, é coisa fina, importada.

– Pode deixar aí – apressou-se o ruivo, pensando no seu cachorro. – Que mais que a senhora trouxe?

Temerosa de ofendê-los, retirou devagar a enorme lagosta:

– Ainda precisa ser preparada – sorriu amarelo.

Um dos homens a pegou, aproximou do nariz o fedentino animal, e, por uma educação atávica e esquecida, colocou-a sobre o banco de madeira. Teteka aligeirou-se e passou a mão na galinha, isso eles deveriam conhecer. A mulher da ponte apanhou com as duas mãos aquele coco congelado, sentiu o frio espinhar-lhe os dedos, e o deixou cair, o que fez que rolasse para o Dilúvio:

– Também não prestava. Olha só, tá boiando!

Esperançosa de que depois a fome os fizesse comer os escargots e preparar a lagosta, anunciou o ikebana com um sorriso nos lábios, uma flor nem o mais bruto dos seres recusaria.

– Tá bom, moça – falou o negro. – Mas na próxima a senhora vem com um bife no feijão-com-arroz, que a gente agradece.

Teteka retirou-se aborrecida. “Mal-educados e ignorantes.” Dirigindo-se ao shopping, contudo, já pensava de outra maneira. Contaria para a Gina, e para todos na festa da consulesa, sua grande ação de graças, e de como sentira preencher-se um vazio no seu peito enquanto assistia àquelas pessoas devorarem a carne dos caracóis iniciais e chorarem de agradecimento pelo que lhes proporcionara. Não, nada de baixo-astral, de ruim chegava a vida.

Embaixo da ponte, o homem ruivo chamou o seu cão e lhe atirou os escargots. O animal os farejou um a um e deu de lombo.

– Nem o Importante quis essa joça – disse.

– Se o caranguejo não fedesse tanto, eu até vendia pros hippie fazer artesanato – concluiu o negro, antes do arremesso para o meio do rio.

Sentaram-se em torno das pedras fumacentas, inconsoláveis. Gigante e avermelhado, o sol se punha atrás das ilhas do Guaíba, deixando um rastro dourado e ondulante sobre as águas. De mão em mão, passaram o arranjo floral, e, por teimosia ou desagravo, o comeram.

Sidnei Schneider, jornal VAIA, Porto Alegre, março 2007.

01 abril 2007

CRESCEM VISITAS MENSAIS AO BLOGUE



De dez. 2005 a dez. 2006, o Umbigo do Lago permaneceu estacionário, sem novas postagens. Durante esse período, o número de visitas oscilou em torno de 100 por mês. Desde então, cresceu vertiginosamente: nesse mês de março, 748 visitantes assessaram 1.512 páginas do blogue. Os gráficos acima referem-se ao penúltimo dia do mês, daí ligeira discrepância com os números aqui referidos.

A entrada se dá, quase totalmente, através de sites de busca como o Google. Quanto mais pessoas acessam o blogue mais ele aparece no princípio da página inicial da busca. Isso justifica a progressão logarítmica dos acessos.

No Brasil, as principais cidades de origem dos visitantes são Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro. Pessoas dos cinco continentes, da Islândia a Angola, dos EUA à China, da Nova Zelândia ao Peru, também entram no blogue, perfazendo entre 12% e 24% dos acessos. Afora a América do Sul, quase sempre a Europa lidera. Dos países de língua portuguesa, depois do Brasil, Portugal. Tais visitas têm duas razões principais: a)existem falantes do português espalhados pelo mundo todo, b) o blogue apresenta traduções de outras línguas acompanhadas do original.

O medidor estatístico foi implantado bem depois da inauguração do blogue - não recordo a data, nem ela está registrada - mas até esse instante 3.409 pessoas visitaram 5.878 páginas do Umbigo do Lago.

Bem, amigos e desconhecidos, só posso dizer uma coisa, muito obrigado, sintam-se em casa.