23 fevereiro 2010

POEMA 'PORTA' NO 'POEMA EM FOCO'

















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Poema em Foco, exposição organizada por Sandra Santos e Alexandre Brito, reunindo poesia, transcrição em braile dos poemas e fotografia dos manuscritos, realizada no Castelinho Cultural do Alto da Bronze em novembro de 2009.
Imagens acima: 1) Castelinho Cultural do Alto da Bronze, 2) Fotografia do manuscrito do meu poema Porta, clicada pela poeta, fotógrafa e artista plástica Sandra Santos, 3) Manuscrito do poema.
Participaram 25 poetas, do RS e de outros estados: Alice Ruiz, Alexandre Brito, Cairo Trindade, Cláudia Gonçalves, Dennis Radüns, Fábio Brünggemann, Gilberto Wallace, Glauco Mattoso, Jaime Medeiros Jr, Jiddu Saldanha, Juliana Meira, Lau Siqueira, Liana Marques, Mara Faturi, Mario Pirata, Nicolas Behr, Renato de Mattos Motta, Ricardo Portugal, Ricardo Silvestrin, Ronald Augusto, Rosane Morais, Sandra Santos, Sidnei Schneider, Telma Scherer, Tulio Henrique Pereira.
Transcrição em braile pela Biblioteca Pública do Estado, no ano do Bicentenário de nascimento de Louis Braille.

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16 fevereiro 2010

BIANCA OBINO: PRECISÃO E DELÍCIA



Arranjo para a canção de Vicente Barreto e Paulo César Pinheiro: precisão, elegância e deleite musicais em nova cantora-violonista.

Bianca Obino é cantora, violonista, compositora e orientadora vocal. Bacharel em Canto pela UFRGS (2007), fez cursos em Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e Florença (sob orientação da soprano italiana Patrizia Morandini).

Participou de quatro edições do Festival de Música de Porto Alegre, com canções de sua autoria; de eventos como 'Palavra: Alegria da Influência' e 'Música Autoral', promovidos pelo Jornal Vaia; e de recitais eruditos como o de 'Chiostro San Domenico', em Prato, na Itália. Estuda música popular brasileira e violão aplicado ao trabalho autoral e de intérprete com o músico Felipe Azevedo.

Bianca prepara o CD SHOW-SOLO, sob a direção musical de Felipe Azevedo, no qual apresentará composições próprias.

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14 fevereiro 2010

Sobre Quichiligangues, por Carlos Lopes

Sidnei Schneider conserva uma clareza de expressão e um domínio dos instrumentos poéticos verdadeiramente únicos. Além disso – e talvez seja o determinante – sua solidariedade com os demais seres humanos e recusa a um egocentrismo estreito, vazio e, sobretudo, chato, faz dele um artista mais do que relevante.

Há quem fale muito do suposto divórcio, sublinhado por Hegel na poesia alemã de seu tempo, entre a ética e a estética. No entanto, não é no poema em si que esse divórcio pode ser superado, mas no encontro da poesia com a vida - eis uma lição intensamente presente no primeiro livro de Sidnei, Plano de Navegação (Dahmer, 1999), e, agora, em seu segundo livro, Quichiligangues (Dahmer, 2008), lançado na Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre.

O que quer dizer este nome estranho? Sidnei não é poeta de deixar obscuridades a afastá-lo do leitor. Pelo contrário, vê no leitor o seu semelhante. Na última página, esclarece: Quichiligangue s.f. Insignificância, bagatela.

É, portanto, um poeta que não se contenta com o vocabulário de cada dia – onde as palavras acabam gastas em seu significado. Assim são as suas bagatelas, em que se sente, ao lê-las, aquilo que se chama prazer estético – o sinal da verdadeira obra de arte.

Alguém, parece que Flaubert, definiu a literatura como a luta contra o lugar-comum. Poderia ser uma conceituação precisa da poesia de Sidnei, onde jamais encontramos solução fácil para o poema – aquela em que o extremo exemplo é a caricatural rima de bosque com quiosque, mas que, em fórmulas menos ridículas, costumam infestar determinados livros de poesia.

Não é um poeta que tem aparente facilidade em fazer o poema. Pelo contrário, ele não concede espaço para o automático. Em cada linha o esforço do fazer é uma marca, um registro típico do seu poema.

Poderíamos apontar também como Sidnei se apropriou de determinadas conquistas da poesia moderna – Eliot, Pound, Rilke, Valery - sem resvalar para o solipsismo (o “eu sozinho”) que matou tantos dos poetas que seguiram essa vertente.

Porém, melhor será que o leitor comprove se estamos ou não exagerando. Em caso de dificuldade em encontrar o livro – a distribuição de livros no Brasil ainda não entrou no PAC do presidente Lula – basta pesquisar na internet.


Carlos Lopes é jornalista, escritor e psiquiatra em São Paulo. Autor de “Cão”, poemas, Rio, 1968; “Jacques Monod e o determinismo”, ensaio, Rio, 1972; “Princípios gerais em psicoterapia”, Recife, 1980; “Noigandres é uma noz grande”, ensaio, Fortaleza, 1987; “A voz interior em José Alcides Pinto”, ensaio, Fortaleza, 1989; “Brasil, uma interpretação histórica”, São Paulo, 1998; “Desafios éticos atuais na psiquiatria”, Brasília, 2001. Texto publicado no jornal Hora do Povo, por ocasião do lançamento do livro em 2008, sob o título "Encontro da poesia com a vida em novo livro de Sidnei Schneider".

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13 fevereiro 2010

Sobre 'Plano de Navegação', por Arthur Hentz

Apresentação do livro Plano de Navegação (1999), que abarca, em quatro partes, minha produção de 1987-1997:

Alguns poetas, após conscientizarem-se da distância que separa a palavra do que ela nomeia (ninguém come a palavra maçã, mas a fruta), resolveram aprofundar a cisão. Abandonaram as referências ao mundo cotidiano, o quanto lhes foi possível, em nome do frívolo ornamental de cada vocábulo. Esqueciam-se que a poesia – mesmo quando desloca uma palavra do seu sentido corrente ou admite o fantástico e a fábula – é a expressão máxima da tentativa de aproximar a linguagem do real, o verbo da vida, a palavra do homem.

Ao superar a ilusão de que a formalidade e o artifício conduziriam ao futuro, matéria de “trigênios” e outras guardas, a poesia de Sidnei Schneider reencontra os valores humanos essenciais. “Núcleo de cometa, não cauda”, como queria o genial Lobato, não vem transplantada, é nossa, genuína, brasileira e, em função disso, capaz de atingir o que há de comum entre os seres humanos. Daí a tranqüilidade do poeta para incorporar ou refutar influências na elaboração do seu trabalho.

Plano de Navegação concede um prazer emotivo e lúcido. Quem crê que a poesia se meteu num beco sem saída deveria lê-lo. O poema inicial, “Depois do Bojador”, nos diz que “Sim, vale a pena,/ Qualquer o gesto,/ Para que finde/ A dominação/ Que nossos filhos/ Devora ainda”, efetivando profícuo diálogo com a primeira das Odes de Ricardo Reis. Em “Barcarola do amor”, a repetição quíntupla da partícula ar traz o vento necessário para que a proposição de movimento se realize, através da transformação anagramática da palavra vela em levas: “Por que não juntar ao dela/ O amor que tu carregas?// Se teu ar abarca a vela,/ Não vês que o barco levas?” Há um encontro, o popular conflui para o erudito (“Represar um rio é impossível./ O rio insulta a barragem.// Se sustém uma folha calma de lago,/ amplia suas pernas de Heráclito” – no premiado “De como lidar com rio”) e o erudito flui para o popular (“Não me satisfaz a calha/ No só juntar chuva fina,/ Quero ser afluente do rio/ Que faz mover a turbina” – “Quadras”). O périplo do palhaço – artista e povo – que aplaude com os dedos indicadores um mandatário execrável, em “Rumo ao Planalto”, para depois sentar no seu pescoço, retoma o que poucos têm coragem de atualizar, o poema dito político, ainda que todos e quaisquer poemas, de uma forma ou de outra, expressem um posicionamento e uma visão de mundo.

Com Estação de Encontro tem início a crítica e autocrítica ao formalismo ineficaz (“palavra solta, isolada, gatilho armado/ fora da espingarda, tiro que volta/ sem mesmo culatra” – “Lancei-me sobre os telhados do mundo), bem como ao excessivo subjetivismo (“Sol é maior que umbigo” – “Temporada”). “Cartilha”, um poema em /a/, propõe que a palavra seja apenas um “vasto caminho para a/ mais laica ação iluminada”.

Primeira Feira permite-nos compreender como tudo começou. Há adesão aos aspectos criticados no parágrafo anterior e tentativas tênues de superá-los. Ressalte-se o humor de “Às favas co’ela” e o lirismo de “Como vamos nos ver?”.

Para quem reflexiona constantemente a própria obra e encontrou a forma de fazê-la avançar – “mas se alguém quer saber/ como não perder o alento,/ trabalhe sempre e mais/ desconfiando do talento.// certeza impede o intento” – é um belo começo.

Arthur Hentz, 1999.

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12 fevereiro 2010

ENTREVISTA À REVISTA VOCÊ

Dada à jornalista Jaqueline Schmidt. A edição nº 9, com várias fotos da cidade de Porto Alegre por Marcelo Liotti, reproduz meu poema Quem é que sabe? sobre uma bela foto de Gariba, e ainda traz matérias com outros poetas, como Telma Scherer e Armindo Trevisan.

Há hoje uma redescoberta da poesia no rol da cultura e das artes?

Mais ou menos depois da virada do século, Porto Alegre experimentou uma verdadeira efervescência de saraus, leituras, debates, oficinas, grupos de discussão, que ocuparam com poesia bares, livrarias, instituições culturais, universidades, etc. Eventos aglutinadores têm procurado dar vasão a tudo isso, exponenciando o que já existia.

O que a poesia tem a dizer nesse contexto?

A poesia é um veículo de humanização do mundo e do próprio ser humano através da linguagem elaborada artisticamente, e ninguém dirá que não precisamos cada vez mais disso nos dias atuais. Ela pode ser crítica, alegre, triste, solidária, satírica – ter infinitas formas - de acordo com a sensibilidade do poeta e o gosto de cada leitor. Ninguém deveria ler um poema por obrigação, escolar ou qualquer outra. A obrigatoriedade tira da poesia o que ela tem de melhor. Poesia é prazer, e quem já encontrou um poema que lhe diga algo em profundidade sabe do que estou falando. Existem as artes, cada uma causa um tipo de prazer estético, mas nenhuma proporciona aquilo que a poesia pode dar com palavras.

Que público se identifica hoje com a poesia?

Existe um público que formou sua sensibilidade em contato com a poesia e as outras artes, mas o surpreendente hoje, na minha opinião, é a presença cada vez maior da poesia entre a moçada. É só entrar num Orkut e perceber a quantidade de perfis individuais ilustrados por poemas. O fato mesmo de estarmos todos escrevendo mais depois da onipresença do computador, e quase todos os dias, provavelmente impulsiona o interesse pela palavra escrita em forma de arte, senão em todos, pelo menos em alguns.

Porto Alegre é uma cidade "poética"?

Com certeza, há muita poesia espalhada pela cidade de Porto Alegre, ávida por transformar-se em poesia escrita, necessitando apenas um olhar atento que possibilite a sua disseminação entre nós.

Por que tu começaste a fazer poesia?

Comecei a escrever poesia de um modo muito curioso. Soube pela tevê que havia sido inventada a Bomba N, a bomba de nêutrons, que matava os seres humanos e a vida em torno, mas deixava os prédios intactos para a ocupação das forças beligerantes. Aquilo me indignou, e escrevi um poema chamado Só N. Depois vieram muitos outros, sobre os mais diversos temas, a experiência amorosa, as perguntas existências, o sentido da vida, as dificuldades dos outros. Depois de muitas leituras, sempre fundamentais, e muita escrita cotidiana, foi surgindo uma voz poética própria.

Que poetas admiras?

Muitos, muitos mesmo. Para não fugir da pergunta: João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gular, Mario Quintana; Cecília Meireles, Adélia Prado, Gilka Machado, Marly de Oliveira; Charles Baudelaire, Emily Dickinson, Vladimir Maiakóvski, Matsuó Bashô, Fernando Pessoa, Dante Alighieri, Li Tai Po, e.e. cummings, T.S. Eliot, Nicanor Parra, e tantos outros.

Breve perfil e trajetória como poeta.

Sidnei Schneider, poeta, tradutor, contista. Autor dos livros de poesia Quichiligangues (2008), Plano de Navegação (1999) e tradutor de Versos Singelos/José Martí (1997), além de outras onze publicações. 1º lugar no Concurso de Contos Caio Fernando Abreu, UFRGS, 2003 e 1º lugar em poesia no Concurso Talentos, UFSM, 1995. Tradutor de William Blake e Lord Byron, entre outros.

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11 fevereiro 2010

ENTREVISTA PARA O JORNAL VAIA

'A edição 28 do jornal VAIA, agora com 10 anos de existência, traz entrevistas com Almicar Bettega, Ricardo Silvestrin e Sidnei Schneider. Contos da portuguesa Patrícia Reis e de Marcelo Benvenutti. Poemas de Ana Mariano, Lau Siqueira e Sylvia Plath. Resenha de Luiz Horácio para livro de Ítalo Ogliari. E muito mais.'

Minha entrevista a Fernando Ramos, posteriormente editada sem as perguntas, pode ser lida na edição diagramada do VAIA em pdf. Ou abaixo, com elas e o título dado pelos editores.

AS NINHARIAS DE UMA POÉTICA RIGOROSA

Sidnei Schneider,
poeta e ficcionista, autor de “Quichiligangues”, Editora Dahmer, 2008.

Fala um pouco da tua trajetória de vida e de poeta, contista e tradutor.

Minha primeira língua não foi o português, mas o alemão. Cresci em Santa Maria, ao lado do matriarcado de pindorama, enorme terreno de casas favelizadas. Queria ser químico, explodi a casa sem querer. Gostava de explorar cascatas e cavernas. Entrei nas artes via Grupo Porão de Teatro. Cursei Engenharia Florestal, algumas cadeiras de Artes Cênicas. Entrei na luta contra a ditadura, e por conta disso vim para Porto Alegre. Fiz longas viagens de aventura. Li Robinson Crusoé aos oito anos, muito gibi, e uma biblioteca pública infantil. A seguir, José de Alencar, Simões Lopes Neto, Edgar Allan Poe, Franz Kafka, Julio Cortázar, Manuel Scorza, James Joyce. A poesia veio com Ferreira Gullar. Escrevi o primeiro poema após assistir o anúncio da bomba N, que destruía apenas os seres humanos, não as construções. De modo artesanal, publiquei Poemas 1987-1992, bastante vanguardeiros, pelo menos de acordo com a concepção concretista de mundo. Outros três livrinhos enfeixaram-se em Plano de Navegação, de 1999, com dicção mais popular. Em jornais e revistas, saíram artigos, colunas, poemas e traduções. E lancei Quichiligangues em 2008. Ainda vou anexar Traduções, de 1994, com poetas de diferentes línguas, a um projeto de Poesia Traduzida. A tradução de Versos Sencillos, de José Martí, saiu em 1997. Depois, tradução e lingüística no curso de Letras da UFRGS. Com a prosa, iniciei nos anos 90, e há contos em jornais e antologias.

Qual o teu poeta referencial?

Não tenho um eleito. Cabral, Drummond, Bandeira, Gullar. Citaria Gilka Machado, Cecília Meireles, Iracema Macedo. Mais Oliveira Silveira, Nei Duclós, Marcus Acciolly. Os novíssimos, meus amigos, entre o acerto e a perdição. Fernando Pessoa e Gonçalo Tavares, Baudelaire e Rimbaud, Maiakóvski e Khlébnikov, Po Chu-yi e Li Tai Po, Dante e Leopardi, Borges e Benedetti, Walt Whitman e William Carlos Williams, Arakida Moritake e Takashi Arima, Agostinho Neto e Manuel Guedes dos Santos Lima, Emily Dickinson e Elisabeth Bishop, Nicanor Parra e Nicolas Guillén, William Blake e T.S.Eliot, Göethe e Brecht, Homero e Kaváfis, etc.

A tua poesia é pra provocar o que no leitor?

Uma reação, seja ela qual for. Gostaria de propiciar um modo de sentir, independente do que trate o poema, que servisse para outros momentos. Se der, alguma reflexão. Prazer estético, enfim. Tudo ao mesmo tempo. Mas conseguir isso não é tão simples.

Valéry diz que um poema nunca é concluído, apenas abandonado. Como é o teu processo, entre conceber e finalizar um poema?

Parto de alguns versos concebidos antes da escrita. Trabalho e retrabalho muito, várias horas seguidas no primeiro dia. Continuo, antes e depois da gaveta. Reviso diante de qualquer possibilidade de publicação, e até depois. O limite é quando digo, vai ficar assim porque pertence a uma época tal.

Pra ti como é que acontece o movimento da criação, desde a tua expressão vital no mundo até o milagre da palavra?

Bem, não tem milagre, é trabalho mesmo. Pode nascer do acaso, de uma motivação qualquer, ou de uma situação planejada. Mas planejada como expressão de um desejo. Gostaria de escrever um poema assim, ou sobre tal tema, ou com tal forma. Um conto ou poema que refletisse humor, ou horror e piedade como queria Aristóteles, ou instigasse a um posicionamento. Isso não fica na memória imediata, só percebo que realizei um desejo quando estou com o texto diante dos olhos, após meses. Mas poemas e contos nascem de infinitas maneiras, e ler é essencial.

Quichiligangues, de onde veio esse título? Parece um neologismo.

É uma palavra já existente na língua portuguesa. Um dos meus dicionários acabava caindo sempre na página que a continha. Ela tem um balanço, uma cadência, algo assim como paralelepípedo, que também é uma palavra que dança. Vem da língua banto, segundo o compositor Nei Lopes, estudioso das línguas africanas, e pode ser escrita com xis. O sentido está ligado a insignificâncias, ninharias. No fundo, é uma brincadeira irônica, tentativa de chamar a atenção para o gênero poesia, com pouca atenção crítica da mídia. Enfim, tento tirar do ostracismo uma palavra saborosa da nossa língua.

O nome do livro indicaria uma disposição de falar das coisas pequenas, onde se encontra o poético, as quinquilharias, à maneira de um Manoel de Barros ou Paulo Leminski?

Não trato de coisas pequenas, necessariamente. Drummond perguntava, Como fugir ao mínimo objeto, ou recusar-se ao grande? A poesia pode tratar de um detalhe ou ser a épica de um mundo. O importante é que o universal e o particular se articulem. Jane Tutikian, que assina as orelhas, mostra que alguns poemas fazem ponte com a cultura grega para trazer reflexões sobre nossa época. E fala do interesse pela água: o rio a ser atravessado, a tina de água quente onde se dá o amor, a enchente que traz a morte. E há algo sobre ter a visão e não ver, ou o seu simétrico, que é ser cego e ao mesmo tempo sábio. E o tema da música, em instrumentos menos óbvios. Vai do amor à luta de boxe.

E como foi o trabalho de seleção e edição dos poemas?

Escrevo muito e apresento pouco. Então a seleção é sempre trabalhosa. Levo quase um ano para montar um livro, mesmo um como esse, de poucos poemas. Mas quem vai julgar são os leitores e a crítica do tempo.

Queria que você falasse sobre o poema “Tirésias”, mas também sobre o significado da poesia e da arte. Tu achas que a poesia – a literatura em geral – consegue iluminar a realidade e provocar reflexão, enfim, sacudir o marasmo da vida cotidiana?

Alguém quer saber como é a vida de um cego, mas vem com muita superioridade. O poema joga com essa situação. No plano geral, a literatura e a poesia mexem com as pessoas, sim. A arte tem uma função, se não tivesse não existiria. Se a gente pensar em perspectivas históricas, a arte sempre ajudou o ser humano a viver. Fortalece aquilo que nos liga uns aos outros, busca tornar o mundo habitável. Por isso, a poesia e a arte são tão críticas.

A figura do poeta provoca uma indagação: o poeta é o sujeito que faz a crítica sempre ou sintetiza os valores que devem ser importantes para a humanidade?

Quem tem amor a algo, odeia o seu exato oposto. Poesia é crítica, exaltação e indagação do mundo e de nós mesmos, do coletivo humano, da nossa experiência sobre a terra.

Com relação à forma dos poemas do livro.

Já joguei muito napalm na palavra, seguindo a senda do poeta adraugnav, que é vanguarda de trás para frente, principalmente no primeiro livreto, de 1992. Hoje estou mais amplo, posso usar a terza rima dantesca em Elegia da cantora de ópera, poema que a exigia, ou buscar a nasalização do verso, pouco conhecida.

Há em São Paulo, em outras cidades do país, e aqui no RS, cursos de formação de escritores. Acreditas na legitimidade desse tipo de curso? Na tua opinião, as pessoas interessadas em iniciar uma carreira literária podem se beneficiar da metodologia da educação formal e institucionalizada?

Faço o exercício de não subestimar nem superestimar nada. Quem não tem um desejo inexpugnável de ler e escrever, predisposição de dar a cara a tapas, e alguma coisa que possa se chamar de talento, vai morrer na praia.

Acompanha a entrevista o poema
Tirésias.

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10 fevereiro 2010

O SENTIDO DE UMA COLETÂNEA

(Apresentação do livro Escritos 2, organizado por Benedito Saldanha)

Há quase seis mil anos, entre os rios Tigre e Eufrates, eram publicados em tabuinhas de barro os primeiros registros literários da humanidade, os poemas sumérios. Um longo caminho de pedras e peles, que não prescindiu da memória oral, nos trouxe às condições atuais. Facilidades gráficas e veiculação eletrônica abriram nova perspectiva. Mais democrática, porque agora quase todo o autor tem a alegria e a aflição de expor o seu trabalho à crítica dos leitores e do tempo.

Algum saudosista talvez prefira as dificuldades anteriores, por considerá-las mais seletivas quanto à qualidade. Mas reflitamos: quantas limitações diversas do critério qualitativo se interpunham, e ainda se interpõem, à edição de obras? O mercado mundial não é dominado por meia dúzia de monopólios, detentores de uns poucos best-sellers de escasso ou nenhum valor, empurrados via marketing e listas de mais vendidos, contra a variedade e o apuro da produção literária efetiva? A qualidade, ensinam a prática e a filosofia, está intimamente ligada à quantidade: quanto mais se lê e se escreve, maiores as perspectivas de o trabalho atingir um grau de excelência. Quanto mais escritores forem editados com critério, maior a possibilidade de surgir entre eles algum que capte em alto nível as vicissitudes de nossa época. O que não significa dizer, claro está, que cada um deveria publicar o máximo, porém o melhor. E eis aí, também, o sentido histórico de uma coletânea.

Escrever, depois de algum aprendizado, atingirá sempre a alguém, o outro. Se nem a todos está reservada a permanência no tempo, a obra bem construída tem o que oferecer a um círculo sempre crescente de leitores na medida do seu valor literário - ou seja, aquilo que é capaz de causar prazer estético.

Transformar a experiência vivida e imaginada em poemas, contos e crônicas é tornar o mundo mais nosso – e, portanto, mais humano. A leitura, da mesma forma, nos torna mais donos de nós mesmos, impede que sejamos engolidos pelas coisas, aproxima-nos do real através da palavra. Onde mais poderíamos encontrar o inesperado e resgatar o perdido, superar as dificuldades via humor ou revivência? O poeta Ferreira Gullar sugeriu que se escreve porque falta alegria, e quando há alegria se quer mais alegria, o que também implica um desejo de sociedade mais justa e humanitária.

Nessa coletânea, dezoito escritores, entre novos e tarimbados, oferecem o seu melhor.

Sidnei Schneider, 2009

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09 fevereiro 2010

LINHA JACUÍ: O RESGATE DA MEMÓRIA

Em carroções atulhados de apetrechos, as famílias se dirigiam até a estação de trem e partiam para nunca mais voltar. Ao chegarem a Porto Alegre, atravessavam a depressão central até Santa Maria, para depois, sempre de trem, subirem a serra rumo a Cruz Alta, onde novos carroções talvez levassem seus pertences a uma terra inexplorada. Vinham de São Leopoldo, Nova Petrópolis, Dois Irmãos, São Sebastião do Caí e arredores para descobrir, entre as matas que acompanhavam o Rio Jacuí, um lugar para começar, novamente, a partir do nada. Experiência não lhes faltava: seus pais ou avós haviam imigrado da Alemanha, confiantes apenas na sua capacidade de trabalho, para as matas do Brasil.

A história da colonização de Linha Jacuí é o tema desse livro. Mas não é um livro de memórias de uma vida em particular, e sim de toda uma coletividade, resgatando a luta comum através do trabalho para que todos pudessem viver dignamente. Cada detalhe é abordado, desde os primeiros habitantes, passando pelas transformações que a região sofreu, até beirar a atualidade.

O autor desta obra, nascido em Linha Jacuí e neto do casal de pioneiros, contou não apenas com suas próprias lembranças ou com os relatos que ouviu dos seus pais e avós quando vivos, mas pesquisou, perguntou, conferiu e reperguntou até chegar a uma posição coerente. Não é fácil reconstituir a história, qualquer um que o tenha intentado sabe disso. Ainda mais numa região que num curto espaço de tempo trocou o lampião pela luz elétrica, o porão pela geladeira, a horta pelo supermercado, o rádio de válvulas pela televisão, a junta de bois pelo trator, a foice pela colheitadeira. A ânsia legítima pelo progresso muitas vezes relega a segundo plano a preservação da memória coletiva e dos objetos que lhe correspondem, o que só mais recentemente começa a ser reparado através de museus e publicações como esta. Assim, o livro é um registro imprescindível, inclusive para que no futuro possa ser acrescido de novas informações ou gerar trabalhos de outros autores.

Ninguém se desenvolve sem memória. Conhecer o que existiu, o esforço dos que nos trouxeram ao presente, é fundamental para que também nós nos empenhemos no que nos cabe. Um balanço da trajetória percorrida permite que se possa escolher com conhecimento de causa a melhor direção a seguir. E é por isso que o autor às vezes se pergunta se não seriam necessárias algumas adequações, e preocupa-se com a preservação do meio ambiente para a saúde e o bem-estar das presentes e futuras gerações.

Enfim, quem quiser saber sobre as 28 indústrias coloniais que já teve Linha Jacuí, compreender como era possível existir um caminhão movido a carvão de lenha, ou familiarizar-se com o típico humor do colono alemão, terá aqui um prato cheio.


Sidnei Schneider, apresentação do livro, 2010.


"Linha Jacuí, 90 anos de história", Ilzemaro Schneider (Dahmer, 2010). Lançamento dia 16/02/2010, Grêmio Esportivo 25 de Julho, Linha Jacuí, Quinze de Novembro - RS, às 11 horas.

[Imagem da capa: Tempora Mutantur, de Pedro Weingärtner, 1889, 110 x 144 cm, óleo sobre tela. Acervo do Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli.]

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